DR. ADALBERTO TARGINO
JORNAL DE HOJE - 02-03-2012
Psicopata é louco?
Adalberto Targino // ceaf_pge@rn.gov.br
Os ignaros ou leigos misturam os conceitos e os comportamentos do psicopata com o louco, como se ambos fossem a mesma coisa. Na realidade convivemos com psicopatas normalmente porque eles passam sem dar pista de seu desajuste social. O louco, ao contrário, é visível, é perceptível por qualquer observador, mesmo o mais simplório.
Vivemos em uma sociedade infestada por psicopatas por todos os lados. Nos clubes mais fechados, nos ambientes requintados, no meio de pessoas cultas e brilhantes, intelectuais de escol, altos empresários; mulheres e homens ricos, inteligentes, bonitos e sem motivo aparente para desajustes. Não quer dizer que eles também não estejam nas favelas, mocambos e palafitas. Independe do meio social, aparência física e grau de instrução.
Assim como o perigo não está no inimigo declarado mas no falso amigo, a tragédia não advém do louco (que de longe já é identificado), porém do psicopata que, sempre, é um enrustido, disfarçado, camuflado, um autêntico camaleão. O psicopata, apesar de adorar o perigo, não se expõe facilmente a ele. Tudo é milimetricamente estudado, analisado, medido, contado... Usa disfarces bem urdidos, não ataca com clareza. Escolhe bem as suas vítimas e as usa durante longo tempo como se aliado fosse, com luvas de pelica, voz de veludo e atitudes angelicais e solidárias.
Mas... de repente, tal qual uma jibóia enrosca-se, paulatinamente, na sua presa, que, indefesa, é atacada, inopinada e surpreendentemente. O psicopata atrai a vítima com as artimanhas da raposa, o ataque meticuloso da cascavel e os encantos da sereia. Jamais é direto ou transparente. Diferente do louco que exibe os seus estigmas por um olhar delator, atos e palavras estrambelhados, isto é, dá a senha ou o sinal de perigo. Aquele, não só tem simpatia inicial, luz verde e luminosa.
O psicopata não se abala com nada, não respeita a lei dos homens que a sua inteligência manipula, e menos ainda os mandamentos de Deus, de quem ele zomba por sentir-se superior ao profano e divino.Faz de cadáveres, almas e mentes dilaceradas por suas ações, escadas para subir e alcançar os seus objetivos.
Os seus atos, de tão mesquinhos, desumanos, pérfidos, insensíveis, chocam os seres humanos normais, que não acreditam existir na humanidade alguém capaz de tanta maldade. Exemplos mais aviltantes como um pai que estupra a filha, o assassino que bebe o sangue da vítima, o filho que assassina o pai, assassinos em série, o padre pedófilo, o canibalista, o latrocida e outros monstros, que nem os animais mais ferozes são capazes de imitar, exceto o próprio Diabo pintado com as tintas da maldade suprema.
Longe da visão comum ou ordinária de que os verdadeiros psicopatas estão trancafiados nos antigos institutos de psiquiatria forense, nos atuais hospitais de custódia, nas penitenciárias e presídios, cadeias públicas, constatei, durante mais de 20 (vinte) anos no exercício dos cargos de Promotor de Justiça, Perito Criminal, Delegado de Polícia, Professor de Direito Penal e de Secretário da Cidadania e Justiça e Segurança Pública, que naquelas masmorras ou universidades do crime existem menos de 20% de psicopatas. No entanto, nas relações interpessoais e clubistas, nas relações de trabalho (chefe, chefiado, colegas) verifiquei, surpreso, o alto grau de periculosidade camuflada e, por isso, muito mais danosa que a relação entre criminosos comuns. Sim, porque no seio dos presídios há sentimento de profunda lealdade, gratidão, solidariedade entre os grupos internos. No ambiente "civilizado", entre alguns políticos inescrupulosos, é normal, e até elogiado, o comportamento leviano, volúvel, vira-casaca, traiçoeiro, que, em nome da conveniência de cargos e posições, tudo se pratica, inclusive aniquilar, anular, isolar, abandonar, desprezar antigos amigos e parceiros.
Isto é preocupante. O homem, mesmo no meio tribal, precisa, necessita, do mínimo de piedade, compaixão, respeito ao outro, consideração aos mais pobres, aos velhos amigos, aos fragilizados, aos idosos, aos diferentes.
Aí é que afirmo, sem medo de errar, a psicopatia ou sociopatia tomou conta da sociedade, violando princípios éticos, limites morais, rasgando códigos de honra e regras da sadia convivência.
Porquanto, os loucos - estas pobres criaturas, que não sabem do mal que fazem ao próximo e a si próprios - não assombram a ninguém cauteloso, que os identifica com facilidade, mas o psicopata, este ser abjeto, vil, perverso, frio, inescrupuloso, continuará ceifando vidas, roubando o sossego dos bons, pisando os crédulos e deixando perplexos os que têm em Deus, na ética e na solidariedade humana a sua razão de viver.
A marca registrada do psicopata é não ter nenhuma marca ou estigma que o identifique. Ele, porém, pode se revelar com tempo de convivência por uma característica típica de não amar verdadeiramente o próximo (ele nunca tem amigos, mas aliados temporários para satisfazer os seus caprichos).
O louco não tem consciência dos males que possa cometer. Os bons sofrem quando erram ou atingem alguém. O psicopata sabe do mal que faz ou pretende fazer, diferenciando-se porque não tem sentimento de culpa, e se o demonstrar será por puro teatralismo bem ensaiado.
O louco e o normal são perceptíveis nas suas intenções; o psicopata só mostra a sua face na hora do ataque (ou depois dele). Os seus transtornos de personalidade podem levá-lo, com frieza e perversidade, a comportamentos e atos anti-sociais gravíssimos. Tem o comportamento dissimulado e traiçoeiro dos escorpiões, que na sua natureza perversa e ingrata, mata o seu salvador sem dó nem compaixão. O psicopata engana com perfeição, mente descaradamente, conta vantagens, quase sempre é megalomaníaco. Nem sempre, entretanto, é truculento, valentão ou assassino. Vive em sociedade, sem aparência de mau ou visíveis estigmas de degenerescência lombrosianas do criminoso nato. Se esconde até na vida clerical (padres e pastores vigaristas) ou como líderes políticos enganadores, ou administradores públicos reiteradamente desonestos. Vampiriza as almas alheias e rouba a felicidade do próximo.
Etimologicamente o psicopata pode ser sinônimo de personalidade amoral, personalidade anti-social, personalidade dissocial, personalidade psicopática ou sociopata. Sejam quais forem as definições, o importante é caracterizá-lo como arruinador de vidas inocentes, parasita que suga a felicidade dos outros, sem sentimento de culpa ou arrependimento.
Esse tipo de indivíduo (ou animal irracional) não se importa de martirizar, torturar, enganar, estuprar, assassinar alguém, que, para ele, tanto faz ser inimigo, amigo, parente próximo ou distante.
Os psicopatas são atores nefastos, mentirosos, cínicos, que confundem o fato com a versão, sobrevivem da enganação, da dissimulação, do engodo.
Quando se fala em psicopata a primeira imagem que vem é unicamente a do indivíduo homicida. Não é verdade! O estelionatário e o fraudador, o criminoso do colarinho branco, o corrupto contumaz, podem, quase sempre, ser psicopatas. Sabem eles que dos seus atos alguém ou muitos serão destruídos. Todavia, o psicopata continuará impassível, impiedoso e frio. Importa-lhe apenas a satisfação dos seus caprichos, da sua tara, peçonha, virulência e perfídia. Em suma: seu vampirismo egoísta e destruidor.
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Adalberto Targino, Procurador do Estado, membro da Sociedade Brasileira de Direito Criminal, da Academia Brasileira de Ciências Morais e Políticas e da ALEJURN, escreve neste espaço às sextas-feiras.